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sexta-feira, 22 de março de 2013

Obturador de cortina e sincronismo de flash

Nada no mundo é realmente instantâneo, isto seria violação da Relatividade de Einstein, mas algumas coisas são tão curtas que até podem, dentro de certos parâmetros, serem consideradas instantâneas. A luz de um flash fotográfico pode ser considerada assim no dia a dia, mas em algumas situações não é. O obturador da câmera também não é instantâneo.

Nota: Este é um texto técnico, mas é aconselhável ser lido pelos que estudam fotografia, especialmente quem quer fazer fotografia de alta velocidade, de objetos em movimento ráṕido, e usuários de flash. Vou passar a mencionar este texto de vez em quando em outros artigos.

Existem diversos tipos de obturadores, mas o mais comum em câmeras atualmente é o de cortina vertical. Algumas câmeras antigas usam cortina horizontal, como a Nikon F2. Ainda existe o eletrônico, que deve ser muito usado em câmeras compactas, e o que abre de forma parecida com um diafragma, usado nas lentes de câmeras de grande formato.

Falarei somente dos obturadores de cortina.

Já mencionei que fotografias com tempos de exposição muito curtos podem deformar objetos que se movem em alta velocidade, como a hélice de um helicóptero (ver Fotometria básica, consequências e o papel do fotógrafo). Quem viu os vídeos que indiquei em SLRs em ação, por dentro, deve ter notado que tem casos que o obturador não fica todo aberto.

Este helicóptero tinha acabado de decolar e acelerava para levar uma pessoa gravemente doente para outro lugar. O tempo de 1/1000 de segundo quase congelou a hélice em alta rotação. Note que ela está com uma pequena deformação, não está reta. Isto é efeito do movimento das duas cortinas do obturador se movendo próximas uma da outra e de objetos se movendo em alta velocidade perpendicularmente ao movimento das cortinas.

Então vamos à cadeia de eventos

Definições

Considere as seguintes definições:

Sigla Descrição
t0 Momento do pressionar do botão de disparo
t0c1 Início do movimento da primeira cortina
tfc1 Final do movimento da primeira cortina
t0c2 Início do movimento da segunda cortina
tfc2 Final do movimento da segunda cortina
t0f Início do pulso de flash
tff Final do pulso de flash

Em eletrônica um pulso é um sinal intenso por um período de tempo muito curto. Um flash fotográfico se enquadra nesta definição. Ele gera uma quantidade muito grande de luz em um tempo muito curto, na ordem de 1 milésimo de segundo.

Um obturador de cortina é composto por duas cortinas. Quando armado, a primeira cortina cobre o sensor/filme, e a segunda fica retraída. Quando disparado, a primeira cortina se desloca rapidamente (é impossível ser instantâneo) expondo o sensor/filme. Depois do tempo de exposição a segunda cortina é disparada, para se deslocar cobrindo o sensor/filme.

Para facilitar o entendimento, o tempo no qual a primeira cortina se desloca, entre t0c1 e tfc1, estão marcado com verde acima da linha preta. O tempo na qual a segunda cortina se desloca, entre t0c2 e tfc2, está marcado em vermelho abaixo da linha preta. E o tempo do pulso de flash, entre t0f e tff, está marcado em azul.

Tempo de exposição não muito curto


O tempo t0 é o momento que o botão é pressionado. Existe um pequeno atraso entre o pressionar do botão e a primeira cortina começar a se deslocar, t0c1. Nas câmeras boas, sem ter que fazer foco etc, este tempo é na ordem de 10 milissegundos.

No tempo tfc1 a primeira cortina termina o seu percurso, passando por todo sensor/filme. No caso acima, o sensor/filme, neste momento, fica todo exposto. A diferença de tempo entre t0c1 e tfc1 é na ordem de poucos milissegundos. Na cortina vertical pode ser menor ainda, pois o percurso é menor.

Depois de um tempo, em t0c2, a segunda cortina começa a se mover, cobrindo o sensor/filme, e termina o seu movimento em tfc2.

O tempo de exposição é t0c2 - tfc1, isto é, o tempo no qual o sensor fica todo aberto? ERRADO. O tempo de exposição é t0c2 - t0c1, que é o tempo entre o início da exposição e o início do final da exposição, que deve ser igual a tfc2 - tfc1.

Todos os pontos do sensor/filme tem que receber aquele tempo de exposição, e tem que ser exposto por igual. Pouco depois que a primeira cortina começa a se mover, parte do sensor/filme já começa a ser exposto. Quando o movimento da primeira cortina termina, deixando todo o sensor/filme exposto, temos áreas do sensor/filme com exposições diferentes.

Para que as exposições sejam iguais por todo sensor/filme, a segunda cortina tem que fazer o mesmo percurso, com a mesma velocidade e a mesma aceleração da primeira cortina. Então todos os pontos do sensor/filme serão encobertos pela segunda cortina no tempo de exposição especificado, e a exposição será por igual por todo ele.

Mesmo com durações de exposição iguais por todo o sensor/filme, os momentos em que cada ponto deste são expostos são ligeiramente diferentes. Objetos em movimento rápido podem ter borrados deformados.

O tempo entre t0c2 e t0c1 podem ser de centésimos de segundo até dias, conforme configuração, fotometria, desejo do fotógrafo etc.

Uma foto exemplo está abaixo, feita com uma bola em queda:

ISO 400, F1.8, 1/2 s. Dá para ver o rastro da bola em queda, pois ela se movia durante todo o tempo de exposição.

Nela a exposição começou com a bola já em queda, e continuou até depois da bola sair do campo de visão da câmera.

Tempo de exposição muito curto

Se o tempo de exposição for realmente muito curto? Se for tão curto que seja menor que o tempo que as cortinas fazem todo o percurso, isto é, menor que tfc1 - t0c1? É possível? É sim, e acontece. Com exposições como 1/1000 s isto acontece.


Nesta nova linha de eventos pode-se ver que a segunda cortina começou o seu movimento, t0c2,  antes do final do movimento da primeira cortina, tfc1. Então temos áreas do sensor/filme onde a exposição terminou, e ao mesmo tempo temos áreas nas quais ela nem começou. Durante um tempo, entre t0c2 e tfc1, temos uma janela, uma abertura, retangular se movendo no obturador. Objetos em movimento muito rápido perpendicular ao movimento da cortina ficarão deformados, como a hélice de um helicóptero.

Como o sensor/filme não fica todo exposto, não se pode usar um flash. Um flash teria que ter um pulso uniforme, que durasse todo o tempo entre t0c1 e tfc2, para garantir exposição uniforme. Isto não é possível. O pulso do flash é muito curto, podendo ser menor que tfc2 - t0c1, e também não é uniforme. Para piorar, teríamos desperdício de energia, pois áreas do sensor/filme estariam cobertas pelo obturador durante o pulso de flash. Em suma, não faz sentido usar flash nesta situação.

Flash em primeira cortina

A linha de eventos abaixo mostra como é o flash em primeira cortina, como é normalmente usado.


Depois que a primeira cortina termina todo o seu percurso, tfc1, deixando todo o sensor/filme exposto, começa o pulso de flash, t0f, que dura até tff, depois a exposição continua por um tempo até ser encerrada pela a segunda cortina. Com o sensor/filme exposto temos o máximo aproveitamento, dento do possível na situação, da energia do flash.

O tempo tff - t0f é bem curto, e em alguns modelos de flash em potência máxima dura menos de 1 milissegundo. Este tempo pode ser menor ainda, pois os flashs controlam a potência não pela intensidade de energia que aplicam na lâmpada, e sim, pela duração do pulso de corrente que aplicam na lâmpada.

O tempo entre tfc1 e t0f também é bem curto, isto é, o flash é disparado imediatamente após a primeira cortina ser totalmente aberta. Quanto mais curto este tempo melhor. Não duvido que algumas câmeras, levando em conta o atraso do flash, deem a ordem de disparo do flash antes do final do movimento da primeira cortina, minimizando assim este tempo.

Esta linha de eventos mostra um caso comum de slow sync, na qual o flash é disparado e a câmera continua a exposição para registrar o ambiente, o fundo etc. Mesmo quando não é slow sync, quando não se usa a velocidade de sincronismo, este é o comportamento, pois muitas câmeras tipicamente se configuram para 1/60 s em casos de pouca luz e uso de flash.

A foto abaixo mostra a queda de uma bola fotografada com um flash em primeira cortina. Note que ela aparece bem marcada na foto, e depois aparece o rastro dela, pois a exposição continuou.

ISO 400, F1.8, 1/2 s. Um disparo de flash em primeira cortina.

Flash em segunda cortina

Neste caso o flash é disparado pouco antes de começar o movimento da segunda cortina. É uma situação que lembra, e algumas pessoas confundem, com slow sync, pois as câmeras, quando em prioridade de abertura, se comportam como slow sync quando configuradas para disparar o flash em segunda cortina. O tempo de exposição é relativamente longo, e no final dele o flash é disparado.


Em relação ao caso anterior dá para notar o deslocamento no tempo do disparo do flash. Agora ele começa e termina pouco antes do início do movimento da segunda cortina.

São poucas as situações nas quais flash de segunda cortina é realmente útil, mas elas são interessantes. A foto abaixo é um exemplo de uso da segunda cortina. A bola começa a sua queda, deixando um rastro, e então o flash dispara, marcando bem a bola, e em seguida termina o rastro, pois termina a exposição.

ISO 400, F1.8, 1/2 s. Um disparo de flash em segunda cortina. Fiz um corte por que apareci demais na foto.

Flash e sincronismo de flash

A velocidade de sincronismo de flash é a velocidade máxima, o menor tempo de exposição, nas quais as condições que permitem o uso de flash ainda acontecem. Nela o sensor/filme fica totalmente exposto tempo suficiente para durar um pulso de flash.

Este tempo varia de câmera para câmera. Na Nikon F2, que tem cortina horizontal, este tempo é de 1/90 s. Na Nikon FM2, que tem cortina vertical, é de 1/250 s. Na D90, também de cortina vertical, é de 1/200 para o flash interno. Em muitas DSLRs parecem ser de 1/200 s.

A sequência de eventos é a seguinte:


Pouco depois da primeira cortina terminar o seu movimento, tfc1, o flash é disparado, t0f, e seu pulso termina, tff, pouco antes do inicio do movimento da segunda cortina, t0c2.

Digamos que a velocidade de sincronismo seja de 1/200 s, o que dá 5 milissegundos de tempo de exposição, e a câmera reserva 2 milissegundos para o disparo do flash (Não garanto que seja este tempo.), entre tfc1 e t0c2, então o tempo que percurso de cada uma das cortinas, tfc1 - t0c1 e tfc2 - t0c2, não deve exceder 3 milissegundos. Não sei quais são realmente estes tempos, que podem variar de câmera para câmera, mas estes números dão uma ideia de quanto eles devem ser.

Nesta situação também não faz diferença disparar na primeira ou na segunda cortina, pois é a situação limite, quando o sensor/filme fica todo exposto pelo tempo mínimo necessário para o pulso de flash.

Esta configuração é típica para quando se quer ignorar a luz ambiente, quando se quer que a luz ambiente interfira o mínimo possível. É usada em casos nos quais a cena tem objetos muito brilhantes. Um exemplo está no artigo Fotografando a Lua e mais alguma coisa.

Abaixo tem o exemplo, da bolinha congelada no ar, sem rastros. O pouco tempo de exposição impediu que a bola deixasse rastro, mas ela ficou bem marcada pelo flash.

ISO 400, F1.8, 1/200 s. Um disparo de flash. Fiz um corte por que apareci demais na foto.

Flash estroboscópico

Algumas câmeras tem este recurso. Pode ser interessante para imobilizar um objeto em movimento em vários pontos de seu percurso.

A linha de eventos fica tal como a abaixo:


Nesta linha são representados 5 disparos de flash durante o tempo de exposição.

Abaixo temos dois exemplos. Um em queda livre, e o outro com a bola lançada ao ar, para fazer um arco.

ISO 400, F1.8, 1/2 s. 5 disparos de flash a 1/8 da potência máxima, a 10 Hz.

ISO 400, F1.8, 1/2 s. 5 disparos de flash a 1/8 da potência máxima, a 10 Hz.

Note que a bola ficou marcada diversas vezes em seu trajeto. Na primeira foto ela saiu do campo de visão no momento do quinto disparo.

Conclusão

Acredito que poucos que usam câmeras, inclusive poucos que usam SLRs, tem a noção do que mostrei aqui. Mas esta noção é importante para compreender por que certos fenômenos, certas distorções, acontecem.

Também acho que poucos esbarram em situações nas quais precisam de uma grande compreensão do que falei aqui. Mas pretendo fazer referência a este texto de vez em quando, sempre que achar necessário.

Um recurso que gostaria que a câmera tivesse é o atraso do disparo do flash, pois aí teria o rastro, a bola bem marcada, e mais rastro. E se isto funcionasse também com flash estroboscópico, teríamos um rastro antes, um depois e vários entre as bolas bem marcadas.

Desculpem-me pelas fotos de exemplo não estarem muito boas, mas tive vários problemas para executá-las, apesar do planejamento. Depois eu conto.

4 comentários:

  1. Muito bom João.

    Tem gente que conheço que vai arrancar os cabelos com a sopa de letrinhas dos tempos Rsrsrsrsrs...

    Farei referência esse seu texto para uma Saída Orientada de Flash que estou organizando no fotoclube.

    Grande abraço.

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    1. Eu também estava achando meio sopa de letrinhas. rsrs

      Por isto que falei um bocado no testo, mesmo usando as letrinhas.

      Então vou adiantar o outro texto sobre flash que escrevi. É sobre Slow Sync e velocidade de sincronismo.

      Quando será esta saída.

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  2. boa tarde!

    Gostaria de saber como faço para configurar minha camera para capitura em 2ª cortina, teria como me auxiliar?
    Desde ja agradeço...
    Minha cam e uma Nikon D300s
    Meu email e mmartinsfotos@gmail.com

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    1. Na minha D90 é apertar o botão do flash e rodar a rodinha de trás, até aparecer REAR na configuração do flash, se não me engano. Deve ser a mesma coisa na D300s.

      E desculpe-me a demora em responder.

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