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quarta-feira, 27 de março de 2013

Fotografando MRUA - Planejamento

Fazer o artigo Obturador de cortina e sincronismo de flash foi trabalhoso, por ter que editar as imagens das linhas de tempo (foram feitas duas versões dos desenhos), colocar os subscritos, fazer a tabela à mão, o texto etc. Mas de longe, a pior parte, foi fazer as fotos do MRUA (Movimento Retilíneo Uniformemente Acelerado).

As dificuldades começaram por cenário, que tinha que obedecer a diversas regras, como ter um fundo muito escuro, e a trajetória de queda da bola relativamente iluminada. A bola foi uma das coisas mais fáceis. Se eu não tivesse achado esta bola no meu jardim, eu poderia comprar uma de isopor em uma papelaria.

A parte física junto com a fotográfica foram as mais difíceis.

Aviso: Este artigo tem um grau de nerdice extraordinariamente alto. Ele é quase um artigo de metodologia científica. Ele exige bons conhecimentos de fotometria e física básica (Mecânica Clássica). Claro que quem ler este artigo poderá aprender um bando de coisas sobre fotografia. Professores de física também devem gostar deste artigo.

Altura de queda e tempo de exposição

A primeira etapa era escolher a altura da queda do objeto. Arbitrei como 1.5 m, que é algo fácil de ser feito. Como eu tenho 1.73 m, posso largar a bola acima deste desta altura. A câmera tem que estar acima de 75 cm do chão, e até uns 1.10 m, o que é fácil.

Então é necessário saber o tempo de queda desta bola. Para isto usamos a seguinte equação:

Sf = S0 + V0 t + 0.5 a t2

Mas como a bola começa parada:

V0 = 0

E vamos dizer que a posição inicial é zero:

S0 = 0

Temos:

Sf = 0.5 a t2 => t2 = 2 Sf / a

Com:

Sf = 1.5 m

E a aceleração sendo a aceleração da gravidade (com a arredondada tradicional):

a = 10 m/s2

Temos:

t2 = 2 * 1.5 / 10 = 0,3 => t = 0.54772

Então temos usar pelo menos meio segundo, 1/2 s, de exposição, para pegar toda a trajetória desejada da bola.

Escolhendo o fundo

O fundo tem que ser escolhido de modo que não se confunda com a bola. O ideal é um fundo escuro. Se sabe que ele ficará exposto por todo o tempo de exposição.

Para um fundo bem escuro o ideal seria que ficasse pelo menos subexposto em 6 EV.

Mas qual é o grande problema no momento? Ainda não tem como ter ideia da abertura e da sensibilidade que será usada na câmera. Mas já podemos ter uma ideia de quanto tempo de exposição deverá ser o fundo, nesta abertura e nesta sensibilidade que ainda não sabemos, de modo que fique bem exposto.

Para cada EV, para cada ponto de exposição, que se aumenta em uma exposição, significa dobrar o tempo de exposição, se a sensibilidade e a abertura forem mantidas. Para cada EV que se diminui a exposição, mantendo a sensibilidade e a abertura, se divide por dois o tempo e exposição. Então, se uma cena está com uma subexposição de 6 EV, significa que ela ficaria bem exposta, mantendo-se a sensibilidade e a abertura, se dobrar seis vezes o tempo de exposição, i.e., multiplicar por 2 elevado à sexta potência, que é multiplicar por 32. Então temos que ter um fundo que fique escuro, e no máximo bem exposto, com um tempo de exposição de 15 segundos. (Se usar espaço aberto, é aconselhável ser em uma noite de lua nova.)

Pode-se fazer em estúdio, mas temos alguns problemas. Como acontecerão disparos de flash, este fundo será iluminado por ele, a não ser que se mude a posição dos flashs. É aconselhável que o fundo seja preto, para absorver qualquer luz que chegue nele. E se este fundo for afastado, menos luz, especialmente de um flash, chegará nele.

Escolha da lente

Uma lente clara, de grande abertura, e que tenha pouca distorção, pode ajudar. A lente clara irá exigir menos potência para o flash, e aumentará o alcance deste. Permitirá usar sensibilidades menores, reduzindo ruído.

Existe a opção de fechar o diafragma, reduzindo a abertura, mas se elas forem claras já começa com vantagem.

As duas lentes mais claras que tenho disponíveis são a 50mm F1.8 AF D e a 50mm F1.4 Ai-S.

Distância câmera-trajetória

Agora, com a lente escolhida e o comprimento da trajetória de queda conhecido, podemos calcular a distância que a câmera tem que ficar da trajetória de queda.

Vou colocar a câmera inclinada em 90 graus para o lado. O sensor é maior na horizontal, e, portanto, o angulo de visão também. Colocando a câmera virada em 90 graus eu aproveito melhor o sensor, fazendo o percurso pela sua maior dimensão dele, tendo uma resolução melhor no sentido do movimento, e também aproximo mais da câmera, diminuindo a potência necessária no flash.

Aqui entra trigonometria, mas aqui resolvi usar um "cheat", uma trapaça... rs

Eu tenho no meu tablet um programa chamado Photo Tools, que tem um grande conjunto de ferramentas para fotógrafos, inclusive uma calculadora de campo de visão. Este programa é muito útil. Eu recomendo.

A distância calculada foi de 3.2 metros para ter um campo de visão de 1.51 m com uma lente 50mm em uma câmera de sensor DX.

Exposição da bola

Aqui já começamos a ter uma dica para escolher a abertura e a sensibilidade a serem usadas.

Um determinado ponto na trajetória da bola estará ocupado pela bola por um determinado período de tempo. Durante este período de tempo a bola marcará a sua impressão naquele ponto da foto. Este período é determinado pelo tamanho da bola, pela posição da bola que passa pelo ponto, e pela sua velocidade.

Para simplificar, vou considerar o ponto central da bola, o maior percurso de bola possível, o seu diâmetro, que é de 10 cm de diâmetro.

Agora é necessário calcular a velocidade no final de 0.5 s de queda livre. Vou usar a mesma aceleração da gravidade usada antes (O planeta não mudou, pois continuamos na terra.).

Vf = a t = 10 * 0.5 = 5 m/s

Para simplificar, vamos calcular deslocamento feito depois de meio segundo de queda, quando o obturador fecha. Aqui estou assumindo a ideia de que a queda começa no mesmo instante da abertura do obturador, o que não é necessariamente verdade, pois requer uma precisão difícil de obter sem equipamentos criados para isto.

Sf = S0 + V0 t + 0.5 a t2 = 0.5 a t2 = 0.5 * 10 * (0.5)2 = 1.25 m

Já dá para perceber que os 0.04772 s desprezados fazem diferença, e que a bola não fará todo o percurso de 1.5 m durante o tempo de exposição de 1/2 s. O próximo tempo de exposição disponível é de 1/1.6 s (0.625 s), o que dá um percurso de:

Sf = S0 + V0 t + 0.5 a t2 = 0.5 a t2 = 0.5 * 10 * (0.625)2 = 1.95 m

Até é um tempo interessante, uma outra opção, mas existiria uma sobra de tempo, aumentando a influência do fundo. Mas esta sobra de tempo pode implicar que a bola já chegou no chão quando disparar o flash em segunda cortina, prejudicando a experiência.

Uma coisa que pode ser notada, devido ao efeito da aceleração, é que entre 0.5 s e 0.625 s, nesta janela de tempo de 125 ms, a bola percorrerá 70 cm. É o efeito de ganho de velocidade causado pela aceleração.

Voltando para o cálculo do tempo de exposição a ser usado. Vou usar o tempo que a bola leva para percorrer de 1.25 m a 1.35m, que é o tempo limite para a situação, e por que tenho conhecida a velocidade quando ela está em 1.25 m. A diferença é justamente o diâmetro da bola.

1.35 = 1.25 + 5 * t + 0.5 * 10 * t2 =>  5 * t2 + 5 * t - 0.1 = 0

Temos uma equação de segundo grau, que resolvendo pela Fórmula de Bhaskara, claro que ignorando a resposta que dá valor negativo, temos:

t = 0,019615

Então o ponto no final deste percurso de 1.25 m vai estar ocupado com alguma parte da bola por quase 0.02 s, que dá 1/50 s de exposição.

Mas a exposição mencionada acima ainda tem um problema. Ela ficará bem exposta, mas implica que a bola ficará superexposta quando ela estiver mais devagar, e realmente muito superexposta no início de sua queda. Conforme a bola acelera, ela ficará menos exposta. Então por que não usar isto para acentuar a sensação de velocidade, fazendo que no final do percurso esteja bem subexposta?

Então pode-se medir a bola, e escolher uma sensibilidade e uma abertura na qual a bola fique subexposta em 4 EV, por exemplo, quando estiver com uma exposição de 1/50 s. Se usarmos 4 EV de subexposição, então a exposição correta deverá ser de:

1/50 * 2^4 = 16 / 50, aproximadamente 1/3 s

Então já temos o parâmetro para escolher a exposição.

Potência do Flash

Desde o momento que tempos a distância já podemos calcular a potência do flash. A potência do flash deve limitar a abertura para cada ISO possível de ser usado.

O GN (Guide Nunber, NG - Número Guia) se calcula multiplicando a distância pela abertura:

GN = distância * número F => número F = NG / distância

Segundo este texto (PDF), o flash da Nikon D90 tem GN 13 m em ISO 100 e 18 m em ISO 200.

Considerando a distância de 3.2 metros, temos aproximadamente, se usarmos a potência total do flash:

ISOGNAbertura
10013F4
20018F5.6
40026F8
80036F11
160052F16
320072F22
6400104F32

Aparentemente temos potência suficiente para a experiência com o próprio flash da câmera. Mas eu tenho um SB-700, que tem GN de 28 em ISO 100, segundo esta página da Nikon. Então para cada ISO temo:

ISOGNAbertura
10028F9
20039F13
40056F18
80078F26
1600102F34
3200156F52
6400204F68


Mas se quero fazer o flash estroboscópico, com 5 disparos durante a queda da bola, estou limitado a 1/8 da potência no flash da câmera. Como a diminuição de 1/4 da potência faz com que a GN caia a metade, então para 1/8, o GN é dividido por 2.8.

ISOGNAbertura
1004.6F1.4
2006.4F2
4009.2F2.8
80012.8F4
160018.4F5.6
320025.6F8
640036.8F11

Isto pode me fazer ser forçado a usar um ISO maior e/ou uma abertura maior, o que fará com que o fundo seja mais exposto, podendo interferir na foto.

A outra má notícia é que não descobri como fazer o flash estroboscópico com o SB-700 (pelo menos ainda), que poderia resolver o problema.

Dúvidas quanto o funcionamento e alternativas

Existem algumas dúvidas, como se a bola vai ser clara o suficiente para ficar bem marcada com o flash. Sobre a cor da luz etc.

Se o lugar tiver uma luz muito amarela, e a bola for amarela, ela poderá não se destacar no início de sua queda. Se a bola for branca e a luz amarela, ela pode ficar branca no flash e amarela com a luz, que dará um destaque.

Pode-se usar mais potência no flash que o necessário, estourando a bola.

Pode-se forrar a bola com papel alumínio, fazendo-a brilhar intensamente com o flash.

A geometria da bola pode não ser boa para deixar um rastro largo, e o ângulo da fonte de luz pode não ajudar, então um cubo ou um paralelepípedo, tal como um tijolo, pode ficar melhor. A ideia de forrar com papel alumínio também se aplica aqui, tal como forrá-lo com papel branco, caso ele já não seja claro o suficiente.

O sincronismo entre largar e disparar pode ser fundamental, e difícil de ser atingido. Já que está  sendo feito à mão, vai valer a tentativa e erro.

Tomar cuidado com chance de epilepsia fotossensível por causa do flash em modo estroboscópico.

Procedimento para realizar a experiência

Escolher um local com fundo bem escuro, mas que tenha iluminação suficiente para iluminar a bola. Esta iluminação não pode ser excessiva, de modo que o flash tenha potência para iluminar a bola de forma bem destacada.

Usar lentes claras, como as 50mm. Dará uma gama melhor de configurações de abertura, e uma grande abertura permitirá fazer a experiência em local de pouca luz, fazendo o flash render melhor.

Armar o tripé, e marcar a posição da queda da bola, com a uma distância de 3.2 m.

Com a bola na trajetória de queda, mas parada e segura, coloca-se o fotômetro no modo spot, e aponta para a bola. Uma alternativa seria usar a própria palma da mão como cinza de referência. Câmera em modo manual. Coloca o tempo de exposição em 1/3 de segundo. Ajuste o ISO e a abertura para que fique na exposição correta para este tempo de exposição. Pode fazer uma foto de teste.

O ISO e a abertura tem que estar nos limites impostos pela potência do flash. Se passar dos limites mencionados, então procurar um local menos iluminado.

Colocar a câmera no tripé, virada em 90 graus para o lado, e ajustar o tempo de exposição para 15 ou 30 segundos. Fazer uma foto de teste para conferir a subexposição do fundo. Ele deverá estar subexposto, ou no máximo, numa boa exposição com este tempo.

Ajustar o tempo de exposição para 1/2 s.

Preparar a queda da bola, com o controle remoto na mão. Na realidade, usar o DSLR Remote. Largar a bola com o flash em primeira e em segunda cortina, com o tempo de exposição de 1/2 s, fazer com 1/200 s com um pequeno atraso no disparo, para congelar a bola no ar sem rastro, e tentar fazer em modo estroboscópico.

Em breve publico o artigo contando como foi realizada a experiência.

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